quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Ela não vai te amar



   Oi, eu sou aquela menina sentada na segunda carteira da penúltima fileira. Eu sou ela daqui 66 meses e 18 dias. Talvez agora ela nem tenha reparado em você ainda, para falar a verdade ela reparou bem mais no seu amigo, mas daqui um tempo isso vai mudar. Ela vai te olhar e do jeito dela, ela vai te conquistar. Porém, ela não tá preparada, faz um tempo, ela não está preparada pra tudo o que vier. 

   Vocês vão se beijar pela primeira vez na esquina do colégio, e depois desse dia nunca mais o gosto de Halls de melancia vai ser o mesmo pra ela. Depois de um tempo, isso vai virar rotina, até você se apaixonar. Mas ela não, eu sei que vai te doer ouvir isso, mas ela não vai te amar. Não agora. Ela vai ficar chateada quando te ver com outras, vai ficar brava quando souber que, em uma brincadeira, você beijou alguém, mas, menino, ela não vai te amar. Você vai fazer de tudo por ela. Vai faltar no curso só pra vê-la e ela não vai fazer nem questão de descer pra te abraçar. Ela não vai te amar. Você vai deixar de ficar com outras pessoas, vai negar várias meninas por ela, mas ela não vai fazer o mesmo por você.

   Um dia você vai sentir que precisa tê-la só pra você e vai pedi-la em namoro. E ela não vai aceitar. Não vai porque ela não te ama. Você vai tentar de novo. Ela vai te chamar de louco, mas vocês vão finalmente namorar. Vão estar juntos sempre. Vão passar perrengues com a família dela. Mas ela não vai te amar. E vai estar com outro. Mesmo estando com você. Porque, cara, ela não te ama. Porém, vocês vão passar por isso, mesmo com todos já dizendo que é loucura. Mas vocês vão passar. Porque, cara, você a ama. 

   Vocês vão ter tardes lindas na casa da sua tia. Vocês vão rir e ali vão começar a se descobrirem. Vocês vão se entregar um ao outro como jamais se entregaram para alguém. Ou como você jamais se entregou para alguém. Porque, ela não te ama. E ela vai mentir. Uma, duas, três e você vai estar com ela em todas essas e mais outras vezes. Porque, ela não vai te amar, mas você vai ama-la mais do que tudo. 

   Vocês vão parecer recomeçar, vai parecer que tudo está indo bem e que finalmente ela te ama. Mas ela não vai te amar. E vai amar estar com outros. Mesmo estando com você. E mesmo todo mundo te alertando, mesmo todo mundo tentando te tirar disso você não vai sair e ela não vai te deixar ir. Vocês vão ir a jogos do seu time, ela vai aprender a cantar a música da organizada e não vai esquecer mesmo 66 meses e 18 dias depois. Vocês vão andar pela Paulista inteira aos fins de semana e por isso, lá vai ser pra sempre meu lugar preferido no mundo. O lugar que sempre vai lembrar você. 

   E você vai mudar e ela vai conhecer todas as suas casas, e vocês vão se amar em todas elas. Ela vai estar com sua família em datas comemorativas, você vai estar com a dela em viagens de ano novo, mas, cara, ela ainda não vai te amar. Mesmo você mostrando pra ela o melhor 'prato feito' do Centro. Mesmo você indo pro outro lado da cidade assistir o show da banda preferida dela. Ela não vai te amar. 

No fim, em um dia qualquer vocês vão terminar. Vocês vão finalmente terminar de verdade. E aí, tudo vai mudar. Ela vai seguir o rumo dela e você o seu e vai ser nesse espaço de tempo que você vai saber; ela nunca te amou, mas outra pessoa vai te amar. E você vai saber, vai entender como finalmente é amar e ser amado. Enquanto isso, ela vai perceber que sempre te amou. Te amou desde o dia em que viu você aqui onde você está, 66 meses e 18 dias atrás, na última carteira da segunda fileira. Só que antes de você, vieram outros. Outros problemas, outros dilemas, outros momentos e todos eles estragaram a menina que viria pra você. 

   Então, eu, de 66 meses e 18 dias depois preciso te dizer que, infelizmente, essa menina sentada na segunda carteira da penúltima fileira, ela não está preparada para você e seu amor. Não deixe que ela estrague tudo, não deixa ela te conquistar, pois eu de daqui 66 meses e 18 dias depois, não consigo suportar o fato de ter tantas lembranças boas e saber que são apenas lembranças. Eu não consigo te ver e saber o quanto ainda vou te magoar. 

   Por favor, não deixa ela abrir o sorriso dela pra você e se ela o fizer, não caia nisso. Infelizmente, a falta de lembranças vai doer menos. E se for preciso, pra te fazer feliz e te livrar de todo sofrimento, eu me acostumo a fazer do Halls de melancia apenas uma bala sem memórias.

domingo, 4 de novembro de 2018

A gente nunca sabe quando vai acabar até acabar

 


   A gente sabia. Quando você me disse tudo o que tinha pra dizer e eu disse o que eu tinha pra dizer. Quando coloquei uma música lá do nosso começo e nós cantamos juntos. Quando você chegou perto de mim e fechou os olhos enquanto eu enchia seu pescoço de beijo. Quando você me falou "vamos deitar?". Quando deitamos e ficamos abraçados. Quando nos beijamos. Quando eu arranhei suas costas e você deslizou a sua mão pelo meu corpo. A gente sabia.

   Nós sabíamos o que poucas pessoas conseguem saber. Porque a gente nunca sabe quando vai acabar, até acabar. Mas nós sabíamos. Droga, como nós sabíamos! Enquanto fazíamos todas essas coisas, a gente sabia. Nunca mais faríamos nada disso juntos. Depois de tantos meses, de tantas idas e vindas, a gente sabia que depois dali não existiria mais nós e como se por coincidência ou não, os ponteiros do relógio giravam mais rápido e a hora de ir embora parecia muito mais perto do que deveria.

  A gente sabia. E foi diferente. Diferente porque por mais que eu quisesse e eu juro que eu queria muito, não conseguia chorar. Eu te olhava e sentia apenas gratidão. Gratidão por tudo o que tivemos em todos esses meses, por todo o amor e cuidado. E por fim, eu senti meu coração descansar  na sua imagem deitado no meu sofá. Eu te olhava e não conseguia dizer nada. Eu jurava, jurei por muito tempo que era você. Mesmo que eu não entendesse, mesmo que não fizesse sentido nem pra mim e nem pra você. Era quem tinha que ser. E simplesmente, um milésimo depois de você dizer o que tinha pra dizer, tudo aquilo dentro de mim descansou. A gente sabia.

  É, eu tinha certeza que a gente ia conseguir. Iríamos ser nós. Com todos os nossos defeitos e acertos. Eu, você e essa bagunça que nós chamamos de amor. Mas a gente sabia. A gente nunca sabe. Mas nós sabíamos. Eu te amava tanto, mas ainda parecia tão pouco.

A gente nunca sabe quando vai acabar, até acabar.

Acabou.


quarta-feira, 29 de junho de 2016

Não faltaram planos, faltou amor.




    Mais uma noite comum. Mais um dia terminando. Mais uma vez vou chegar em casa e você não vai estar lá. Não vou ter suas risadas para me fazer esquecer os problemas do trabalho, nem nossas conversas cheias de planos para o nosso futuro. O futuro que não teremos mais. Parecia tão certo, não parecia? 
   Nós, nossos planos, nossas motivações. Tudo se encaixava tão bem. Nós éramos um casal que sentia orgulho um do outro. Nós nos amávamos, não é? 
   Pelo menos eu, eu te amei demais, tanto quanto pude, o suficiente para que quando você começou a dizer sobre querer um tempo para pensar se realmente era aquilo que queria para sua vida, se ainda era eu quem você queria, eu não acreditei. Brincadeira sua, de mal gosto, mas só mais uma das suas brincadeiras. 
   Então, eu esperei em silêncio até que finalmente você desse risada, daquele jeito que sempre fazia, e viesse em minha direção me beijar. Porém, isso nunca aconteceu. Na realidade, eu fiquei em silêncio apenas escutando você listar todos os inúmeros motivos - e, nossa! Você tinha tantos - para temer que não desse certo. 
   Nossa casa, antes perfeita para vivermos com nossos filhos, tinha se transformado em algum lugar insuficiente para qualquer coisa, como se não pudéssemos pensar em outro lugar. Tudo, qualquer mínimo detalhe, você conseguiu achar algum defeito que justificasse você arrumar suas malas e ir embora. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa para tentar fazer você ficar. Antes que eu pudesse encontrar alguma solução para todos os novos problemas. 
   Entretanto,  você sabia, você sempre soube, que todos essas coisas, por menores ou maiores que fossem, não eram o verdadeiro motivo de você ir. E mesmo apesar disso, você escolheu colocar a culpa do nosso fim em coisas futuras, do que me olhar no fundo do olho e admitir que a verdade, sem desculpas esfarrapadas, era que não importava o quanto a gente mudasse os planos, o quanto a gente tivesse outras ideias, nada seria o suficiente para te fazer ficar. Porque a verdade verdadeira é que você não queria ficar, de jeito algum, não comigo.
   Mais uma noite comum. Mais um dia terminando. Mais uma vez chego em casa e você não está lá. E de todas essas coisas e inúmeras outras, a que mais me dói e atormenta é que você nunca teve culhão de me dizer o verdadeiro motivo de ir. E por isso, a sua partida se tornou mais difícil de aceitar, pois você não conseguiu me olhar e dizer que não estava me aguentando mais, que de repente todo o encanto que sentia por mim havia acabado. 
   E me deixou pensando no que eu poderia ter feito pra você ficar, me deixou com o sentimento de culpa por não ter feito nada, me deixou e deixou tudo o que planejamos. 
   Mas agora, com o celular na mão, vendo você feliz ao lado dele, realizando nossos planos com ele, tenho a certeza de que a culpa não foi dos planos. Foi o amor. Ou melhor; a falta dele. 

    Eu te amei. Mas você não me amou, não é?                               Não, não amou.

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Nem toda mulher nasceu para ser bela, recatada e do lar.



  Essa semana, a revista Veja, que dispensa comentários sobre o seu jornalismo pretensioso e imparcial (além de grotesco), trouxe em sua capa a vice primeira-dama Marcela Temer, esposa de Michel Temer. Uma mulher que, segundo a própria Veja enaltece em sua capa, é Bela, recatada e do lar. Ao longo da matéria, a revista ainda elogia o fato de Marcela ser discreta, falar pouco e usar saias na altura do joelho. Para piorar, a Veja coloca a vice primeira-dama na posição de um exemplo de mulher que todas as outras deveriam ser; á sombra, nunca à frente.

  Não demorou muito para a internet se pronunciar sobre a matéria e logo Bela, recatada e do lar viralizou entre as mulheres que não se encaixam e nem querem se encaixar nesse padrão. Como? Explico. Os três adjetivos usados para enaltecer Marcela Temer, começaram a acompanhar fotos em que as mulheres apareciam em situações ou roupas que, para a sociedade tradicional, não se encaixaria nos tais adjetivos. De meninas com roupas curtas, bebendo até dançando até o chão... Tudo para mostrar que nem só de belas, recatadas e do lar é feita uma sociedade.

  O problema maior da matéria, não são os elogios dirigidos à Marcela. Afinal, não tem nada de errado ser alguém recatada e do lar se assim escolher, o problema em questão foi o fato de fazer de mulheres como ela as únicas que merecem respeito na sociedade. Quando, na verdade, qualquer mulher, independente da sua escolha de como viver, merece o mesmo respeito. Além de claro, como sempre é feito, na maior parte com as mulheres, definir um padrão a ser seguido.

  Ser bela, recatada e do lar pode sim funcionar para uma parcela de mulheres, mas nem todas as brasileiras se encaixam nessas três palavras e elas não devem ser consideradas inferiores por isso. Veja, com essa matéria, mostra-se mais uma vez revista sexista e que tenta ditar um padrão da mulher ideal. Uma mulher que vive ás sombras e nunca á frente, no meu ver é surreal e assustador. Uma mulher que não fala por si, que aceita sem objeções o que lhe é imposto. Uma mulher, revista Veja, que eu nunca fui, não sou e nunca quero ser.

  Impor um padrão perfeito, exclui todas as outras mulheres que não são menos mulheres por não contemplar esses adjetivos inseridos na capa da revista. Bela? Recatada? Do lar? Não nasci para ser obrigada a fingir ser algo que para a sociedade é aceitável. E sinto dizer, revista Veja, muitas outras mulheres brasileiras também não. E não há nada de errado nisso.