sábado, 9 de janeiro de 2016

Ela é a melhor coisa que ele nunca mais vai ter






Ela se olha no espelho e se vê linda. Se olha por mais alguns segundos e passa mais um pouco de batom. Ela se sente poderosa. Volta para o quarto e pega a chave do carro e a bolsa que estão jogados na cama. Ela está preparada. Depois de tantos meses escondida, finalmente ela pode se sentir livre mais uma vez. 


Antes de fechar a porta do apartamento e entrar no elevador, ela encontra seu vizinho. Ele a admira por alguns segundos, ela acena com a cabeça, sorri e vai embora. Hoje ela renasce. Chega no térreo e é impossível não perceber o jeito como o porteiro a olha. Ele a admira. Dos pés a cabeça. Quando sai, lá está o seu carro e dessa vez não tem ninguém a esperando para fazer a gentileza de abrir a porta para ela e isso não a incomoda. Pelo contrário, é bom estar sozinha no carro, ouvindo a sua música, indo encontrar as suas melhores amigas para se divertir. 
 
Começa a tocar sua música predileta na rádio e ela aumenta o som. Até o volume máximo. Ela se sente livre. Em pouco tempo ela encontra suas amigas que, confessam, não acreditavam que ela viria. Fazia tanto tempo que ela não saia, não se divertia, não se permitia. Ela está deslumbrante, todas concordam. Essa será a sua noite. Entram na boate e logo vão para o bar, escolhem suas bebidas e analisam a balada. Ela pega apenas uma água e fica fingindo olhar como suas amigas, mas a verdade é que ela só quer dançar e dançar. Sem preocupações, sem chateações após tudo. Ela só quer se sentir livre. 

Mal acabou sua água e suas amigas já estão com a segunda bebida na mão. Resolvem ir para pista dançar e a ideia a agrada. Dançam, se divertem, cantam... Ela está rindo como havia tempo não ria, está dançando as músicas que se limitava a dançar apenas no quarto e cantando todas as músicas que fizeram parte do seus shows particulares durante o banho. Ela está feliz, feliz como havia tempo não se sentia. Ela olha ao redor da balada sem que ninguém chame a sua atenção até fitar ele. Seus olhos se encontram com os dele. 


O motivo dela ter ficado tanto tempo isolada do mundo. Ele. O cara que a deixou. 

Eles se olham por alguns segundos, até ele resolver vir até ela. Ele sorri, muito, sorri bonito do jeitinho que sabe, mexe com ela. Ela retribui sorrindo, mas esse sorriso é diferente do que ele costumava receber. Ela estava sorrindo, sorrindo por ver o quanto ele havia perdido. Eles se cumprimentam e ele a elogia. "Cortou o cabelo? Você está incrivelmente maravilhosa.". Ela apenas agradece e responde que ele não piorou desde a última vez que se viram. O último encontro passa rapidamente pela suas lembranças. Não era das melhores. Conversam mais um pouco, riem juntos, lembram de histórias que os dois viveram, lembram dos primeiros momentos e incrivelmente (ou planejadamente) todas as brigas e os momentos ruins são esquecidos. 

Passam algumas músicas, algumas palavras, algumas risadas, algumas histórias e quando vão perceber já estão apoiados na bancada do bar bebendo juntos. Isso a faz lembrar de mais um momento. O dia em que, bêbado, ele se declarou para ela, disse o que sempre quis dizer quando estava sóbrio, mas não tinha coragem. Ele olha para ela e por uma fração de tempo eles ficam em silêncio. Se olham e ele a deseja. Muito. Ele se aproxima e vai em direção ao ouvido dela. Faz um convite. "Vamos sair daqui, vamos para a nossa casa.". Nossa casa. Aquela mesma que faz meses ele resolveu deixar. 

Ela o encara por algum tempo. Ela ainda o ama e não tem certeza se esse sentimento passará tão fácil. Ela o ama demais. Dedicou mais de 10 anos da sua vida para ficar ao lado dele, enfrentou brigas, angústias e também alegrias. Eles eram felizes juntos, mas quando ele a deixou, quando ele foi embora e nunca mais ligou, ela se tornou alguém infeliz, chorava toda noite e se isolou. Demorou meses, foram muitas lágrimas derramadas, muitos potes de sorvete devorados, foi muito perrengue para ela chegar ali, naquela noite e se sentir mulher, completa e feliz sozinha. Ela tinha custado muito para conquistar tudo aquilo, para ter sua liberdade mais uma vez nas suas mãos e a sensação de leveza era tão gostosa, tão libertadora que ela sabia; por mais que o amasse, muito, demais, ela se amava e sabia que sua felicidade só dependia dela mesmo

Ela o olhou por mais alguns segundos até ouvir uma música tocar. "Não te ouvi direito." ela respondeu "Foi muito bom te reencontrar. Se divirta. Tenha uma boa noite.", se levantou e foi direto para pista de dança. Ela fechou os olhos e nem olhou de novo para o bar. Não importava mais. Fazia alguns meses, ele a deixou sozinha em casa, hoje ele é quem está sozinho. Mesmo rodeado de tanta gente. 

Ela não olhou mais para ele, mas se ela tivesse... Ah, se tivesse... Veria um homem arrependido, olhando uma mulher livre, uma mulher encantadora sendo dela e de mais ninguém. Ela se olhou no espelho e sabia; a partir de hoje ela se reinventava, se reencontrava e se redescobria. Hoje ela renascia.

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